Este livro é em parte uma tentativa de imaginar a natureza dessa nova experiência, delinear suas propriedades de antemão.
No início da década de 1960, McLuhan fez a célebre observação de que viver com tecnologias elétricas e mecânicas ao mesmo tempo era “o drama peculiar do século XX”. O grande drama das próximas décadas vai se desdobrar sob as estrelas cruzadas do analógico e do digital.
Como o coro da tragédia grega, filtros de informação vão nos guiar através dessa transição,
traduzindo os zeros e os uns da linguagem digital nas imagens mais conhecidas, analógicas, da vida cotidiana. Essas metáforas, esses mapeamentos de bits virão para ocupar praticamente todas as facetas da sociedade contemporânea: trabalho, divertimento, amor, família, arte elevada, cultura popular, política. Mas a forma propriamente dita será a mesma, apesar de suas muitas aparências, a labutar continuamente nessa estranha nova zona entre o meio e a mensagem. Essa zona
é o que chamamos de interface.
Capitúlo dois
O desktop
O desktop
“O princípio da arquitetura gótica”, disse Coleridge certa vez, “é a infinidade tornada imaginável”. O mesmo poderia ser dito da interface contemporânea. Assim como os arcobotantes de Chartres traduziam o reino dos céus em pedra, o espaço-
informação do monitor corporifica “torna imaginável” o de outra forma invisível cotilhão de zeros e uns a rodopiar por nossos microchips. É claro que, em retrospeto, pode nos parecer que as coisas eram fáceis para os primeiros mapeadores de bits, como
Doug Engelbart e Ivan Sutherland. Estavam tentando representar um sortimento modesto de bits e bytes, informação que não encheria um disquete. Os designers de interface de hoje se defrontam com uma tarefa muito mais assustadora: os gigabytes de dados armazenados na maior parte dos discos rígidos para não mencionar a infinita épica da World Wide Web.
Antes de Gutenberg, as catedrais eram as grandes máquinas significantes da vida pública. Mais que meras construções, implicavam um modo de olhar para o mundo, uma
ordem sagrada, um senso de proporção. Num tempo em que a alfabetização em massa era inimaginável, as catedrais serviam como uma espécie de texto popular feito de vitrais e gárgulas.
Esse sistema de signos funcionava em diferentes escalas. Podia-se, é claro, ler a história de Cristo nas pedras cinzeladas em impossível detalhe, mas podia-se também tomar distância suficiente para ver a catedral em relação ao burgo que a rodeava. Mais que qualquer outra, essa história era crucial, inescapável todas as demais narrativas estavam envoltas nela, como tramas secundárias num romance em três camadas. Uma cidade de cabanas, telhados de colmo e casas simples de um só pavimento em tomo das agulhas majestosas da catedral. Cem vezes maior que qualquer outra estrutura construída, e cem vezes mais
elaborada, a catedral se erguia no centro mesmo do burgo fisicamente, é claro, mas também espiritualmente.